Postado em: 23/05/2008
O modo como veio embrulhado, a preferência pelo tipo de papel, um nó diferenciado. Se você não tem por costume mandar correspondências ou pacotes, provavelmente conhece alguma pessoa que tenha. Você seria capaz de reconhecer as marcas de alguém mesmo depois de muitos anos sem contato? E as impressões que essas marcas causam em você, seria capaz de reconhecer? Muito bem, é a partir de um embrulho, feito por seu pai, há dez anos falecido, que Carlos Heitor Cony desenrola um “quase romance”, com as mais marcantes memórias que tem dele.
O título do livro nos sugere uma ponderação inicial, que é esclarecida pelo autor, no prefácio: “Quase memória – Quase romance” não chega a ser, de fato, nem uma coisa nem outra, sendo as duas ao mesmo tempo. A minúcia como os detalhes bobos da relação entre o pai e o filho são expostos, proporcionam ao leitor uma experimentação. Assim, a história ganha ares de romance. Já o embrulho se revela pelo que faz trazer à memória.
É uma leitura sobre relações humanas, sobre adaptações de personalidades e principalmente sobre o amor puro na relação referencial e partenal. A simplicidade com que a composição é feita, sem grandes inovações de estilo, gera uma leitura digestiva. Como a narrativa não se afasta de padrões tradicionais, torna ainda mais universais e contínuos os casos que envolvem Cony pai e Cony filho. É pela clave da emoção que o romance se impõe ao leitor e o comove honestamente.
Assim como o embrulho funciona para o escritor, como agente libertador de memória, o livro funciona para o leitor. Enquanto Cony se pega no escritório escuro depois de horas fitando-o, analisando os detalhes do embrulho e percebendo através deles as marcas da personalidade do seu pai e as marcas que estas provocaram na personalidade dele – facilmente nos percebemos numa situação parecida. O riso de como o pai se comportava na relação com o filho é comum aos das lembranças que nos vêm à cabeça de nossa própria relação com nosso pai.
Quando lê-se que Carlos Heitor Cony é jornalista, como o pai, vemos a pura essência do livro, que rememora que todos os pais são muito parecidos no modo de criar os filhos e que as marcas que deixam na personalidade transpõem o tempo.
P.S.: “Quase memória – Quase romance” foi escrito pelo jornalista Carlos Heitor Cony, em 1995, após uma “greve” de 20 anos sem escrever. O livro ganhou os prêmios Machado de Assis e Jabuti e está disponível na Biblioteca da UnC.
Dica: Para combinar com o livro resenhado acima, a dica de leitura da vez é Travessuras da Menina Má, do jornalista peruano Mario Vargas Llosa. Um Romance que tem como pano de fundo as rebeliões dos estudantes europeus e as guerrilhas da América Latina.
Por Lia Gabriela
6ª fase de jornalismo
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